Por Kostas Vlassopoulos
Costuma-se dizer que os escravos da Antiguidade são silenciosos. No caso da escravidão atlântica moderna, muitos escravos escreveram autobiografias em que apresentam suas experiências no cativeiro e suas visões sobre a escravidão. Na década de 1930, o Federal Writers Project, nos Estados Unidos, conduziu incontáveis entrevistas com afroamericanos que viveram a escravidão durante a infância, antes de sua abolição em 1865. Infelizmente, dizem-nos, não há um equivalente para a Antiguidade. Ficamos apenas com textos em grego e latim escritos pelos senhores, que não nos permitem ouvir a voz dos escravos antigos.
Embora haja um elemento de verdade nessa descrição, os escravos da Antiguidade não são completamente silenciosos. Pesquisas modernas descobriram uma série de cartas escritas por escravos no período antigo, o que nos dá a oportunidade de ouvir suas vozes e preocupações diretamente e reconstruir as estratégias pelas quais eles buscavam sobreviver, melhorar suas condições e alcançar seus variados objetivos.
O primeiro exemplo é uma carta escrita em um tablete de chumbo, material barato frequentemente utilizado para cartas (Figura 1). Proveniente de Atenas e datada do século IV a.C., ela diz o seguinte:
“Lésis envia esta mensagem para Xenokles e para sua mãe para que não esqueçam que ele está morrendo na fundição e para que possam ir até os senhores dele e encontrar algo melhor para ele. Pois fui entregue a um homem muito perverso. Estou morrendo chicoteado. Estou amarrado. Sou tratado como lixo - cada vez mais” (Supplementum Epigraphicum Graecum, vol. L, no. 276).
Lésis, o autor dessa carta, não diz seu status; mas a referência a seus senhores deixa claro que ele era um escravo. A carta é um lembrete doloroso das condições difíceis que os escravos enfrentavam todos os dias. Lésis reclama que está sendo chicoteado, amarrado e maltratado. Mas a carta não expressa, simplesmente, desespero. Ela registra, ao mesmo tempo, como os escravos tentavam aproveitar ao máximo suas conexões para melhorar sua sorte. Lésis tenta usar sua família e rede social para alcançar seu objetivo. Ele pede a sua mãe e a um homem não identificado que convençam seus mestres a encontrar para ele um trabalho melhor do que a fundição em que trabalha atualmente.
O segundo exemplo é uma carta em papiro do Egito, escrita por volta da época de sua anexação romana, em 30 a.C. (Figura 2). O lado externo do papiro registra o nome de Menandro, o escravo de Diógenes, como destinatário. A face interna possui o seguinte texto:
“Fileros cumprimenta todos os seus companheiros escravos. Se você está indo bem, muito bem. Saiba que até agora Troquilo tem feito o suficiente. Quanto ao resto, peço a vocês, meus companheiros escravos, que me defendam enquanto eu estiver ausente. Quanto ao resto, está tudo bem na casa. Até logo!” (Corpus Epistolarum Latinarum, I, no. 3).
Fileros escreve para seus companheiros escravizados para pedir sua solidariedade. Ele implora que o defendam em sua ausência. Também é notável que essa carta tenha sido escrita em latim, embora o Egito fosse uma província falante de grego e os nomes de todas as pessoas mencionadas sejam gregos. O fato de um escravo no Egito poder se dirigir a outros escravos em latim demonstra a capacidade poliglota de muitos escravos na Antiguidade.
O terceiro exemplo foi escrito em uma placa de madeira descoberta no forte romano de Vindolanda, na Inglaterra (Figura 3). A placa foi escrita em algum momento da segunda metade do primeiro século da era comum. A parte de trás da placa nos dá o nome do remetente e seu endereço. Assim, descobrimos que foi escrita por um escravo chamado Severo para Cândido, o escravo de Genial. A frente da placa inclui o seguinte texto:
“De Severo para seu Cândido, saudações.
Peço-lhe, irmão, que resolva a (?) da Saturnália por quatro ou seis asses; e rabanetes por nada mais que meio denário.
Até logo, irmão.” (Tabuinhas de Vindolanda, no. 301).
É significativo que Severo se refira a Cândido como irmão, expressando assim um sentimento de solidariedade entre os dois escravos. Cândido e Severo pertenciam a soldados romanos que serviam no forte de Vindolanda. A carta diz respeito aos preparativos para a festa da Saturnália, festa romana muito importante para os escravos. Durante a festa, celebrada no final de dezembro, os escravos eram servidos por seus senhores, numa interessante inversão de papéis. Esta carta mostra o significado deste festival para os escravos, pois oferecia uma das poucas oportunidades para um feriado muito necessário.
Essas pequenas cartas nos dão uma imagem fragmentária dos escravos da Antiguidade, que não pode ser comparada com as múltiplas e ricas autobiografias de escravos do mundo moderno. Mas elas ilustram de maneira fascinante as preocupações e lutas dos escravos antigos e nos permitem, ao menos uma vez, ouvir suas vozes sem mediação. Só podemos imaginar o que mais teríamos ouvido, se essas cartas não fossem tão provocativamente breves!
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