Por Airton Pollini, Université de Haute-Alsace, Mulhouse (França)
Graças à tradição manuscrita e aos textos que chegaram até nós, temos certo conhecimento do modo de vida dos Gregos antigos, mas nossa visão é bastante enviesada pelo prisma ateniense e por uma perspectiva elitista. Fora de Atenas, por exemplo, para analisar as sociedades coloniais gregas no sul da Itália, também conhecida como Magna Grécia, o contexto funerário constitui a principal fonte de estudos, mesmo se os dados arqueológicos provenientes do mundo dos mortos não constituem um espelho fidedigno da sociedade dos vivos e mesmo se os valores e as funções não são representados de modo unívoco. É essencial, portanto, considerar um conjunto muito mais amplo de dados e evitar associações mecânicas do tipo “armas são objetos reservados aos homens” e “joias às mulheres”. Da mesma forma, uma correlação simplista entre o status social do defunto e a quantidade e a riqueza do material deposto em uma tumba pode levar a erros interpretativos. O objetivo aqui é assim de reforçar a necessidade de estabelecer discursos mais nuançados a partir dos dados arqueológicos.
Observemos um caso particular, a necrópole da Contrada Lucifero em Locri (Calábria), a partir das análises do arqueólogo italiano Diego Elia (D. Elia, Locri Epizefiri, VI, Nelle case di Ade. La necropoli in contrada Lucifero. Nuovi documenti, Alessandria, Edizioni dell’Orso, 2010). Foram identificados três critérios ou marcos de diferenciação social: a presença de sinalizações no exterior da tumba (sèmata), a topografia das sepulturas e os objetos depositados no interior.
Os sèmata (sèma no singular) podem ser de diversos tipos, mas funcionavam para indicar a localização das sepulturas. Dentre os diversos tipos de marcos, foram encontradas estruturas construídas, bases de estruturas, fragmentos de pedras trabalhadas (algumas delas deveriam ter recebido elementos em ferro ou chumbo), cilindros em pedra de diversos tamanhos (fig. 1), variando em geral entre 35 e 60 cm, mas também material arquitetônico como capitéis ou colunas. Alguns casos mostram particularidades que fogem do senso comum, como uma sepultura de uma criança (número 773), e não de um suposto chefe da comunidade, que era sinalizada no exterior por uma estrutura retangular de oito blocos de pedra (1,75 x 1,40 m). Também excepcional é a descoberta de uma hydria em mármore com figuração em relevo, talvez com uma cena de adeus, datada entre o final do século V e o século IV a.C. (fig. 2). Esses marcos de tumbas de grande prestígio são amplamente conhecidos na Ática, mas raros nas cidades gregas do Ocidente.
Muito mais comum era a técnica, obviamente mais simples, de acumulação de pedrinhas brutas colocadas na superfície do terreno em correspondência com a tumba. Segundo os cálculos de D. Elia, ao menos 5% das sepulturas comportavam sinais externos desse tipo simples; vale ressaltar que não foram encontrados os marcos da maioria das tumbas. Assim, sinais de grande riqueza aparecem ao lado de outros elementos muito mais banais e simples, o que poderia testemunhar uma estratificação social bastante nuançada.
Outro elemento da análise é a topografia das sepulturas. Alguns conjuntos de tumbas, entre a metade do século VI e a primeira metade do século IV a.C., parecem respeitar uma topografia articulada, com uma atenção muito precisa para evitar as superposições, mesmo no caso de uma grande diferença cronológica. Esses conjuntos às vezes formavam círculos que podem ser interpretados como núcleos familiares importantes, onde encontram-se tumbas masculinas, femininas e de crianças ou adolescentes.
O último critério de diferenciação social é a composição dos objetos depostos dentro das tumbas. D. Elia sublinha a presença de certos vasos, principalmente crateras, como sinais de rituais funerários realizados durante os funerais e em seguida depostos no interior das tumbas junto com os defuntos.
A mobília constitui o elemento tradicionalmente mais considerado para o estudo do contexto funerário. Por outro lado, a análise paralela dos três critérios aqui evocados nos permite desenhar um quadro bem mais nuançado que o habitual. Na necrópole de Lucifero, deve-se sublinhar que não há uma correspondência necessária entre os modos de construção e a mobília das tumbas. Encontram-se construções bastante ricas com uma mobília bem pobre, ou o contrário. Se o status político, jurídico ou mesmo social dos defuntos é muito difícil de se estabelecer sem a presença de testemunhos escritos, a análise atenta de todos os vestígios nos permite afirmar a existência de diversos rituais, diversos níveis de atenção para a construção das tumbas e variados níveis de riqueza da mobília. Essas novas análises colocam em paralelo todos os tipos de dados e permitem representar as sociedades antigas de modo muito mais estratificado. Dessa forma, podemos hoje ultrapassar um discurso simplista de oposições binárias: ricos versus pobres, Gregos versus autóctones. Através do exemplo da necrópole de Lucifero em Locri (Itália), notamos que as tumbas mais bem construídas não são necessariamente aquelas que possuem o material mais rico no seu interior e vice-versa.
Podemos concluir que a possibilidade de reconhecer a estratificação social da comunidade dos vivos através dos contextos funerários se dá a partir de interpretações mais nuançadas. Além disso, a análise da organização espacial da necrópole e a presença de marcadores exteriores leva a discursos sobre os contextos funerários ainda mais complexos, onde as diferentes categorias sociais podem encontrar um pouco de suas vozes. Se o acúmulo de sinais de riqueza é uma prerrogativa da elite, quando se consideram todos os dados à disposição, podemos apreender em parte os esforços de algumas categorias inferiores para testemunhar sua existência, ao menos no registro funerário. Assim, para darmos vozes às classes subalternas, ou mais genericamente às parcelas não pertencentes às elites, as comparações entre todos os dados permitem ressaltar a predominância dos vestígios mais banais e simples dessas categorias menos privilegiadas das comunidades antigas.
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