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Foto do escritorMarcio Monteneri

O submundo dos bares na Antiguidade romana

Atualizado: 19 de ago. de 2021

Por Márcio Monteneri, Mestre em História Social, Universidade de São Paulo


Os bares eram uma das principais marcas das cidades romanas. Em Óstia e Pompeia, como atestam os dados arqueológicos, eram numerosos e se encontravam em locais de intensa movimentação como esquinas, grandes avenidas e perto dos portões citadinos. Ocupavam, ainda, as fachadas de apartamentos, hotéis e termas públicas.


Os espaços boêmios podiam ser facilmente reconhecidos pelos transeuntes na paisagem urbana e eram verdadeiros focos de atração popular. Alguns frequentadores dos bares possivelmente se reuniam em balcões e bancos localizados logo na entrada. Outros se acomodavam no interior, em cadeiras, mesas ou sofás e consumiam vinhos, carnes e outros produtos enquanto conversavam. O cheiro da comida, o som das canções populares e o burburinho das conversas tomavam conta desses ambientes.


Balcão de um bar visto de uma rua de Óstia (Regio I, Insula I, Caseggiato del Termopolio). Foto: Bill Storage/Pinterest.

Além de suprirem as necessidades e os prazeres imediatos da população, como comer e beber, os bares eram cruciais para a interação social e para o entretenimento de seus clientes. A presença de grafites nesses locais corrobora essa ideia. Nas paredes de um bar localizado na cidade de Pompeia, por exemplo, encontramos registros de uma disputa entre dois homens, Severo e Sucesso, pelo amor da escrava taberneira Hiris:


Sucessus textor amat coponiaes ancilla(m),

Nomine Hiredem, quae quidem illum

Non curat, sed ille rogat, illa com(m)iseretur.

Scribit riualis. Vale

Inuidiose, quia rumperes, sedare noli formonsiorem,

Et qui est homo preuessimus et bellus.

Dixi, scripsi. Amas Hiredem, quae te non curat.

Seu(erus?) Sucesso, ut su(p)ra(?)...s... Seuerus.


Severo: O tecelão Sucesso ama a escrava taberneira chamada Híris, a qual não quer saber dele, mas ele pede que ela tenha dó dele. Responda, rival. Saudações!

Sucesso: Intervéns porque és um invejoso. Não queiras bancar o engraçadinho, seu mau-caráter galanteador.

Severo: Disse e escrevi a verdade: tu amas Híris, que não quer saber de ti. De Severo para Sucesso: o que escrevi, é exatamente o que se passa. Assinado: Severo. (CIL IV 8258-9, trad. P. P. A. Funari).


Ao escrever uma mensagem para seu oponente na parede de um bar, Severo esperava ser lido e respondido. A partir desse episódio, temos uma ideia de como os bares eram, de fato, locais de encontro e discussão.


Embora os bares fossem importantes no cotidiano das pessoas comuns, tinham uma má reputação entre os membros das elites, que em geral são os autores dos textos que chegaram até nós. Em Horácio (65-8 a.C.) os bares são descritos como “imundos” (Sat. 2, 4, 62) e “gordurosos” (Ep. 1, 14, 21), em Marcial (40-104 d.C.) como “abafados” (Mart. 1, 41, 9). Em outras obras, são comumente associados à libertinagem, à imoralidade, à preguiça e, claro, à bebedeira!


Aos olhos das elites, os bares eram frequentados por pessoas desprezíveis. Juvenal (60-130 d.C.), em um de seus poemas satíricos, retrata um militar de alta patente (um legatus) em um bar na cidade de Óstia “reclinado ao lado de um assassino, na companhia de marujos, ladrões e escravos foragidos, entre carrascos, fabricantes de barcos e o sacerdote de Cibele, prostrado de bêbado” (Juv. Sat. 8, 171-176).


Não apenas os frequentadores, mas também suas práticas eram alvo de críticas elitistas. O historiador Amiano Marcelino, no século IV d.C., ridicularizava a “multidão da mais baixa e empobrecida condição” que passava noites a fio nas “tavernas de vinho” em Roma, onde travavam disputas acaloradas nos jogos de dados ou desenrolavam longas conversas sobre as corridas de carroça (Amm. Marc. 14, 6, 25).


Ao longo dos séculos, as autoridades romanas também criaram leis para limitar os serviços oferecidos nos bares e, assim, torná-los menos atrativos ao público. O imperador Cláudio (41-54 d.C.) baniu a venda de carne cozida e água quente, que se misturava ao vinho antes de bebê-lo (Dio Cass. 60, 6, 6-7). Mais tarde, um prefeito de Roma, Ampélio (371-372 d.C.), tomou medidas parecidas: proibiu que esses estabelecimentos abrissem antes das nove horas da manhã, que os plebeus aquecessem a água, que a carne pronta fosse vendida antes da hora prevista e, por fim, que as pessoas “honestas” fossem vistas comendo em público (Amm. Marc. 28, 4, 4).


Por trás dessas inibições, ao que parece, havia um verdadeiro receio dos aristocratas em relação ao papel político dos bares na vida dos grupos subalternos. Esses pontos de encontro espalhados pelas cidades possibilitavam a interação cotidiana, fundamental para que as pessoas desenvolvessem laços horizontais, identificassem interesses em comum e se reconhecessem como parte de um mesmo grupo. Isso não era visto com bons olhos pelas autoridades. O desprezo pelos bares, portanto, possivelmente ocorria porque a solidariedade entre a gente simples era vista pelos poderosos como uma verdadeira ameaça. Daí as sucessivas tentativas de extinguir esses espaços ou controlar o que neles se passava.


Os próprios imperadores temiam a reunião das pessoas nos bares. O imperador Cláudio, que via nesses locais o principal ponto de encontro dos collegia, ordenou o desmantelamento dessas associações e, para atacar o mal pela raiz, mandou fechar os bares onde costumavam se reunir (Dio Cass. 60, 6, 7). Séculos depois, na Antiguidade Tardia, esses espaços ainda despertavam a desconfiança dos governantes romanos. O imperador César Galo, disfarçado e acompanhado por um grupo de infiltrados, perambulava pelos bares ao anoitecer perguntando às pessoas o que pensavam a respeito dele mesmo, cuja identidade era ocultada pelo disfarce (Amm. 14, 1, 9). Medidas como essas, penso, eram evidentes jogadas políticas para conter conspirações e motins contra a autoridade desses imperadores.


Do entretenimento à ameaça, os bares do mundo romano podem nos indicar que a política não era assunto exclusivo de uma elite hereditária e abastada, por mais que os poderosos assim o desejassem. Não se fazia política apenas por meio das instituições. Para isso, havia inúmeras outras vias informais. A política praticada no “submundo” dos bares era uma delas.


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