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Foto do escritorGiovan Nascimento

Os apelidos e a política na Roma republicana

Por Giovan do Nascimento, Doutorando, Universidade de São Paulo.


Os apelidos podem ser meios de participação política das classes populares? A resposta depende de como vemos a política. Se focarmos em seus aspectos institucionais, talvez os apelidos digam pouco sobre essa participação. Mas se ampliarmos para os aspectos informais da política, veremos os apelidos como fragmentos de opinião pública que influenciam de maneira direta ou indireta na reputação de figuras proeminentes.


No final da República Romana, havia uma diversidade de apelidos sobre personagens ilustres. Eles descreviam, sobretudo, peculiaridades físicas ou mentais dos apelidados. Podiam ter efeitos prejudiciais quando carregavam conotações negativas. Possuíam prazo de validade. E por vezes perdiam o sentido original e eram adotados pelos descendentes do apelidado como um cognome. Em um estudo publicado no livro Popular Culture in the Ancient World [a cultura popular no mundo antigo, editado por Lucy Grig, Cambridge, 2017], a historiadora Cristina Rosillo-López recorreu aos textos escritos pelos letrados daquele tempo – os quais os desprezavam ou os subvertiam, mas não os ignoravam completamente –, observando que os apelidos poderiam expressar uma memória alternativa do passado e uma interpretação autônoma do presente político construído pelas classes populares.


O cruzamento de ruas numa cidade romana. (Reconstituição da Via dell'Abondanza em Pompeia).

Iniciemos pelos seus lugares de circulação. Numa conversa entre o aristocrata Damásio e o poeta Horácio, o primeiro menciona que “os compita lotados me apelidaram de animal de estimação de Mercúrio [Mercurialis]” (Horácio, Sátiras, 2.3.25-6; 2.3.68), significando que ele era o favorito do deus do comércio e dos bons negócios. Durante a acusação de Lúcio Murena por corrupção eleitoral, por sua vez, o acusador Catão mencionou no julgamento que ouvira nas esquinas que Murena era chamado de “dançarino” (saltator) (Cícero, Pro Murena, 13), um insulto que se referia à efeminação atribuída aos dançarinos de Roma. Mais interessante que os valores arraigados nos apelidos é que ambos são acompanhados pelos respectivos lugares de circulação: esquinas ou cruzamentos de ruas (compita), espaços de alta rotação de pessoas cujos grafites evidenciam a circulação de fofocas e variados comentários populares e que eram também, como atestado, por exemplo, pela presença de fontes de água, lugares de intensa sociabilidade popular.


Um santuário de rua (compitum) em honra de doze deuses (Pompeia, IX.11.1). (Fonte: Pompeiiinpictures.com).

Os apelidos, em geral, circulavam por qualquer espaço citadino que auxiliava o encontro entre pessoas e a troca de opiniões. As ruas, os teatros, os espaços de jogos, as oficinas e as tavernas viabilizavam essas dinâmicas tanto entre membros das classes populares quanto entre esses membros e as elites. A relevância política dessa comunicação informal é que a participação formal dos cidadãos se restringia ao voto e ao comparecimento nas assembleias, com o direito de “falar em público” limitado aos magistrados e àqueles que eles convidassem a discursar. Mas a opinião pública não era controlada, dependendo apenas do encontro entre pessoas e do engajamento delas em conversas. E tanto os cidadãos quanto os não cidadãos, as mulheres e os estrangeiros, podiam participar dessas dinâmicas.


Os casos de Damásio e do acusador de Murena sugerem que as elites poderiam dedicar atenção aos fragmentos de opinião pública que circulavam pelas ruas. Todavia, não podemos atribuir aos apelidos mencionados uma origem necessariamente popular. É possível rastrear apelidos com proveniência desse tipo? Gracchus é um bom exemplo de apelido de origem popular. Ele é mencionado por Cícero em um discurso no qual alegou que seu inimigo político, o tribuno Quinto Numério Rufo, fora apelidado “Graco” pela plebe em tom zombeteiro (Cícero, Pro Sestio, 72). Esse tom significaria que o tribuno era de maneira irônica visto pelos cidadãos como alguém que não se comparava aos tribunos Tibério e Caio Graco que o precederam.


Após o fim das Guerras Púnicas, os irmãos Graco lutaram pela redistribuição de terras para diminuir as desigualdades sociais produzidas em Roma pelas campanhas militares. Isso desagradou aristocratas que orquestraram o assassinato de um e, depois, do outro. Todavia, a construção de estátuas não oficiais a eles em Roma, a consagração dos lugares onde foram assassinados e as subsequentes homenagens prestadas à memória deles pela plebe indicam que os Graco se tornaram verdadeiros heróis populares. O discurso de Cícero foi pronunciado quando ele retornou a Roma de seu exílio, em 56 a.C. Cícero havia sido exilado após ter sido acusado de ter ordenado, durante seu consulado, o assassinato de cidadãos romanos sem qualquer julgamento por sua participação na conspiração de Catalina. Numério, por sua vez, além de um aliado dos acusadores de Cícero, opunha-se ao seu retorno. Nesse contexto, Cícero buscava nas cortes tingir a opinião pública de luzes favoráveis ao seu regresso, considerando oportuno qualificar Numério como desamparado pela plebe. Mas naquele tempo a plebe realizava uma série de revoltas devido à alta do preço dos grãos. Ao contrário do que Cícero tentava fazer parecer, o período em que Numério foi tribuno garantiu a ele tempo o suficiente para se dirigir à plebe. É provável que ele tenha se esforçado em favorecê-la na questão dos grãos, um problema que deveria ser a ela muito mais indispensável que o retorno de um orador exilado.


Nesse contexto de crise dos grãos, Rosillo-López considera possível que a plebe não atribuísse a Numério o apelido “Graco” em tom zombeteiro, mas em tom sério e de apoio. O que a leva a observar que a opinião pública importava para Cícero o suficiente para que ele buscasse subvertê-la em benefício próprio. Ao contrário do que Cícero sugeria, o apelido “Graco” representava uma interpretação popular da história e do presente político de Roma independente das versões das elites. Em outras palavras, Gracchus era um apelido de origem popular que, enquanto expressão da opinião pública, era também relevante aos políticos proeminentes da Roma do século I a.C.


Para concluir, a circulação informal e não controlada dos apelidos, bem como a possibilidade de emergirem “de baixo” e influenciarem “os de cima” sugere que, no final da República Romana (e talvez em nosso próprio tempo), os apelidos não apenas poderiam ser meios de participação política popular, como também podem se tornar meios relevantes de acesso às percepções políticas das classes populares, as quais não deveriam ser negligenciadas.


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